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Autor: Alberto Grimm[1]
Conteúdo Revisado e Ampliado: 16 de Janeiro de 2023
A luz intensa da lua cheia mais parecia a camada transparente de uma espécie de tinta brilhante aveludada que suavemente fora espalhada sobre as copas das árvores daquela mata virgem e superfícies dos lagos, pequenos e médios, possíveis de se ver do ponto mais elevado daquele extraordinário vale, da centenária varanda daquele majestoso casarão erguido sobre uma sólida e majestosa colina de basalto negro.
A visão era deslumbrante, e mesmo o mais insensível dos homens não deixaria de se comover diante daquela verdadeira obra de arte não concebida por mãos humanas. E não fosse o vento frio seguido pela densa neblina que aos poucos fora apagando o belíssimo cenário noturno, o reflexivo visitante, que em absoluto silêncio a tudo aquilo observava, certamente não teria se recolhido antes da meia noite.
No entanto, não o fez contrariado, pois sabia que no dia seguinte, aquela magnífica obra de arte magistralmente pincelada pelas mãos invisíveis da natureza outra vez estaria à sua espera. Ficaria torcendo apenas para que o nevoeiro chegasse um pouco mais tarde, assim poderia usufruir um pouco mais de tão esplêndida visão, sempre acompanhada por aquele impagável e acolhedor sentimento de paz interior.
O suntuoso casarão era uma construção antiga, cuja resistência ao tempo constituía um mistério a parte. E o ambiente dos quartos ainda eram os originais de séculos atrás, intocados até em sua decoração interior, quando os audaciosos pioneiros ergueram o imponente monumento no alto daquela íngreme e desafiadora colina. A escolha do local fora calculada, certamente com uma dupla intenção: perceber a aproximação de visitantes indesejados, e muito provavelmente, usufruir da paz proporcionada pelo intencional isolamento e aprazível visão panorâmica.
Por isso os pesquisadores faziam verdadeiras peregrinações ao remoto retiro em busca das tais aparições, ora para ilustrar seus compêndios científicos, ora para usar como recheio para livros e revistas cuja temática era o fantástico. Outras vezes, usavam do argumento apenas como meio cientificado para tentar compreender os mistérios da vida e da morte. Entretanto, aquele inquilino não estava ali por nenhum desses motivos.
Mas, com o passar dos anos a casa ganhou uma fama, digamos, um tanto quanto excêntrica. Diziam que era mal assombrada. E de tempos em tempos, pelos estreitos e longos corredores dos seus três andares, gritos, gemidos e passos realçados por pisadas fortes, eram absolutamente audíveis e algumas vezes acompanhados pelos respectivos vultos, especialmente em noites coroadas pela lua cheia, a exemplo daquela.
Sua pauta era outra. Viera a trabalho, no papel de avaliador, representando uma importante organização encarregada de classificar pousadas pelo seu grau de exotismo, o que significava uma atração a mais para as centenas de visitantes, cuja lista de espera para se hospedar no local se estendia por vários anos. Tanto que existia mesmo um mercado paralelo apenas para atender aos mais apressados em conhecer a peculiar fama e deslumbramento daquele reservado, enigmático e sem dúvida encantador, recanto.
Por conta própria, ou até como lastro para qualificar suas habilidades avaliadoras de lugares tão extraordinários, estudara profundamente as singularidades do mundo esotérico e seus mistérios; sua peculiar relação com nossos medos mais profundos. E depois de longos anos diante dos aspectos que a ciência humana classificaria como eventos inexplicáveis, destacara-se como o melhor em sua função.
E já recolhido ao seu quarto, percebe que os espessos cobertores de algodão não eram suficientes para protegê-lo do frio, e o motivo era simples: aquela não era uma friagem comum.
Mas ele Já conhecia a explicação oficial, pois todos diziam que os quartos do suntuoso casarão estavam impregnados com ectoplasma, uma substância transparente, invisível aos olhos comuns, que emanava dos espíritos que ali residiam. Assim, a principal evidência de sua existência ou presença no local era as variações da temperatura ambiental, os breves episódios intercalados por calor ou frio a saturar os cômodos. No entanto, a indumentária térmica que já vestia e que fora especialmente planejada para a ocasião, ajudava a contornar o problema, por isso adormeceu sem muito esforço.
Acordou, não sabe quanto tempo depois, com batidas surdas à porta, entretanto, ainda a experimentar aquela sensação própria da hipnagogia – estado diferenciado de consciência que surge na transição entre a vigília física lúcida e o sono caracterizado pela semiconsciência –, razão pela qual, nem parou para refletir sobre as histórias de assombrações.
Ao abrir a porta, não viu ninguém, por isso duvidou que as batidas tivessem sido reais. “Acho que acordei no meio de um sonho...”, sussurrou para si mesmo e voltou à cama. E logo adormeceu embalado pelo silêncio absoluto. No entanto, sem saber precisar exatamente quanto tempo se passara, sentiu que alguém entrara no quarto, embora não fosse capaz de enxergar com clareza de quem se tratava.
Ainda desconcertado, de repente sentiu-se imobilizado, preso à cama, impossibilitado de mexer braços ou pernas, ou mesmo a cabeça, embora fosse capaz de movimentar os olhos. E estes vasculhavam até o ponto onde suas órbitas o permitiam, tentando encontrar o intruso que claramente adentrara no recinto. Foi quando percebeu que o estranho visitante sentara sobre o colchão da cama a altura dos seus pés, e ali, na penumbra, permaneceu de costas. Uma sensação de pavor insinuou tomar conta de seu equilíbrio emocional, até aquele momento, ainda sob controle da sua mais lúcida razão.
Então o estranho personagem segurou em um dos seus pés, para em seguida levantar-se e deslocar-se em direção à cabeceira da cama. E ali permaneceu do seu lado direito, mas, sempre tomando o cuidado de permanecer de costas, preservando seu rosto. Ele pode então constatar que se tratava de alguém com um capuz à cabeça, com o corpo coberto por um capote negro que moldava seu corpo de maneira anatômica, sem, contudo, deixar nenhuma parte visível.
Tentou desesperadamente mover-se, mas todo esforço era vão. A cama parecia imantada por uma força opressora sobrenatural capaz de mantê-lo absolutamente imóvel. E por mais que tentasse, não conseguia sair daquele torpor. E, a cada movimento que ensaiava, parecia que a gravidade o pressionava com mais força para baixo na direção do interior do colchão. Começou a ficar apavorado quando o estranho personagem, que agora sabia tratar-se de uma velha senhora de rosto enrugado, pálido e inexpressivo, subiu sobre sua barriga para em seguida, com suas mãos pesadas e tenazes como garras, começar a sufocá-lo.
Tentou gritar, mas suas cordas vocais pareciam emperradas, e de sua garganta, apenas uma espécie de gemido de baixa intensidade e sem forma definida se podia ouvir. Ficou em pânico e tentou a todo custo mover os braços ou o resto do corpo. E enquanto lutava em vão para livrar-se daquele torpor incomum, sentiu-se caindo em um espaço vazio.
Acordou com a queda, ao lado da cama. Logo percebeu que tudo não passara de um sonho. Um terrível pesadelo, daqueles que só ouvira falar nos contos de assombração ou nos relatos de suas pesquisas sobre o mundo das coisas ocultas. “Era a velha Bruxa, exatamente como sempre a descreveram nas lendas antigas...”, balbuciou para si mesmo, ainda trêmulo, mas absolutamente lúcido e sem medo, enquanto se erguia do chão e acendia as luzes do quarto.
Certamente que, naquela noite, ele, definitivamente, não por temer alguma coisa, mas, antes disso, pela euforia incomparável de ter experienciado a manifestação genuína de um evento extrafísico que até aquele momento, para ele, no papel de pesquisador, não passava de uma lenda, hipótese ou mito primitivo. Por isso mesmo, certamente, naquela noite não mais conseguiria dormir nem com a ajuda do mais poderoso sedativo.
“Perfeito, pode desligar...”, exclamaram os cientistas encarregados da simulação.
“Mais uma vez ele reagiu como gente. Foi capaz de pensar, e de acordo com a leitura do eletroencefalograma espectral, chegou a sonhar. O mais curioso, coisa de fato intrigante e assombrosa, é que ele teve sensações e reações físicas com base apenas nas memórias de outro indivíduo que colocamos dentro do seu cérebro virtual. Entretanto, o mais extraordinário é que suas reações de medo motivadas pelo pensamento lógico demonstraram sentimentos verdadeiros, inacreditavelmente semelhantes aos humanos...”
Aquele era um evento único na história da cibernética. Afinal de contas, tratava-se do primeiro protótipo de cérebro eletrônico capaz de pensar e reagir como gente, e que de modo incompreensível, fora capaz de sonhar e vivenciar de maneira lúcida, com reações mentais e somáticas proporcionais, similares em efeito ao que já sentiam os seres vivos racionais. Tratava-se, portanto, de um advento que até aquele momento, pela ciência, era algo considerado impossível.
Os Contos Reflexivos são reproduzidos com exclusividade com a permissão do Site de Dicas.
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Alberto Grimm - Email: albertogrimm@gmail.com
Publicitário e Escritor. Especialista em Psicologia do Trabalho e Relações Humanas. É também também pesquisador e consultor em Recursos Humanos e em Educação Integral e Consciencial.
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