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Autor: Alberto Grimm[1]
Conteúdo Revisado e Ampliado: 16 de Janeiro de 2023
Aquele era um problema muito sério. Talvez fosse o maior já enfrentado por aquele grupo de cientistas, uma vez que, aparentemente, não havia solução à vista...
A ideia era maravilhosa, espetacular, talvez a mais criativa que já saíra de suas cabeças, um premiado e seleto grupo de pensadores, doutores em produzir bens de consumo, inservíveis e servíveis, para as massas. Mas, diante daquele dramático impasse, toda aparente confiança e invejável criatividade daqueles que eram conhecidos carinhosamente como os “Magos das Ideias”, agora parecia cair por terra.
“Não pode ser verdade”, lamentava-se o diretor de criação. “Como podemos vender a nossa melhor e mais espetacular criação diante de tão extraordinário impedimento, que agora, como um fantasma opositor, entra em nossa sala sem ser convidado? É como se, de repente, tivéssemos disponível todo dinheiro do mundo, e nada nos restasse para comprar...”
E quem era capaz de dizer alguma coisa? O que poderia, enfim, ser dito numa hora daquelas? E apenas das lembranças dos felizes dias, das lucrativas e bem sucedidas campanhas de marketing do passado, poderiam agora se orgulhar.
“Vocês têm certeza disso? Olharam em todos os lugares, pesquisaram, fuçaram, exploraram todas as possibilidades; escavaram tudo mesmo?”, perguntou pela décima vez dentro do mesmo minuto o coordenador de lançamentos de novos produtos, como se as respostas anteriores não significassem aquilo que diziam.
Na verdade, o grupo já tivera um problema semelhante no passado, lembravam bem. Naquela ocasião, depois de esgotarem-se todas as possibilidades imagináveis de incrementos com a intenção de atualizar um novo produto, descobriram estupefatos que nada mais era possível acrescentar à nova versão, quer dizer, ao novo modelo que pretendiam lançar.
E o motivo era que tudo já fora agregado, e o último lançamento, aquele que ora precisava ser substituído ou atualizado conforme diriam as campanhas publicitárias, já vinha com tantas funções incorporadas que nem mesmo os manuais eram capazes de cobrir a todas. Algumas para nada serviam, outras jamais foram testadas. Apesar de tudo isso, como combustível para ajudar nas campanhas e incentivar as vendas, a estratégia, até aquele momento, sempre funcionara com extraordinária precisão.
E o problema fora resolvido com uma abordagem singular: transformaram o novo produto em dois. Um modelo de Luxo ou Titanium, e outro que chamaram de Platinum. Na verdade, os aparelhos eram exatamente iguais, exceto pelas cores e disposição dos botões ou funções, que apesar realizarem exatamente as mesmas tarefas, agora estavam posicionados em locais diferentes do console. E assim, cada um dos modelos, na verdade também idênticos à versão anterior, agora poderiam ser lançados como “novos”. Isso lhes daria uma sobrevida entre seis meses a um ano, tempo suficiente para pensarem noutra coisa, talvez, quem sabe, transformar os dois em quatro. Mas, este era um caso a ser pensado no futuro.
No entanto, agora, o problema era mais sério; uma calamidade. Naquele mercado saturado de produtos e marcas para todas as necessidades humanas, onde um novo lançamento ocorria a cada segundo, onde cada novo item obrigatoriamente precisava ter um nome registrado, o que era um modo lógico e racional capaz de orientar o consumidor, especialmente no momento de se referir ao dito cujo na hora da compra num balcão de uma loja ou em qualquer outro lugar, uma coisa que já se tornara escassa, naquele momento, parecia não mais existir.
Um Nome. Sim, esta coisa era um nome. Uma simples identidade para que o produto pudesse de fato existir e então frequentar as prateleiras de uma loja possibilitando que compradores e vendedores o identificassem; permitindo que as campanhas publicitárias o promovessem para o consumo das massas. Como divulgar uma coisa sem nome? Como criar na mente do consumidor uma tendência, comportamento, desejo ou alienação por algo que não podia ser chamado de nada?
Como se faz para se chamar uma criança que você não conhece, em meio a dezenas de outras crianças, sem que haja um nome a ela associado? Seria a mesma coisa que tentar identificar a cor de um objeto em meio ao escuro absoluto, ou ainda tentar comprar um produto que não existe usando o nome de outro.
Assim era o dilema que ora se apresentava diante de todos. Como dar um nome a um objeto, se naquele momento, não mais existiam nomes disponíveis para rotular coisa alguma? Sim, era isso mesmo, para se registrar comercialmente um produto, uma marca ou ideia, não mais existiam nomes disponíveis. Ocorre que todas, absolutamente todas as combinações de vocábulos e letras, todo conjunto de letras com possibilidade de dar forma a um nome capaz de designar alguma coisa, já havia sido usado, registrado e patenteado.
Nenhuma palavra de dicionário ou livros estava mais disponível. Todas já tinham um dono, um produto a ela associada. Letras iguais, diferentes, conjuntos de consoantes ou vogais; letras com números ou símbolos gráficos. Tudo, tudo mesmo, já fora usado, e nada mais restara.
“Podemos usar desenhos para lhe dar um nome!”, falou alguém sem ter certeza do que dizia.
“Sim, mas na hora de nos referirmos ao produto ainda precisamos dar um nome a este desenho, e aí, nada feito, estamos de volta ao ponto zero...”, concluiu outro com as mãos à cabeça e de olhar fixo numa folha de papel em branco que estava sobre a mesa de reuniões.
Nesse momento, mais alguém do grupo toma a frente, e conjectura em tom grave e reflexivo: “Mas, e se, esse produto... fosse o primeiro produto da história do homem, sem nome?”
“Como sem nome? Você quer dizer, sem um nome comercial, identificação pessoal ou um nome de batismo?" E, reafirma o outro: “Isso mesmo, sem nome de batismo. Simplesmente, sem nome...”
Era, sem dúvida, a mais fantástica ideia jamais imaginada. Um produto sem nome, o primeiro e único jamais existente, e o mais importante, nenhum outro fabricante poderia reutilizar o mesmo ponto de vista, ideia ou abordagem.
Seria, acima de tudo, um Produto Conceitual; uma criativa proposta artística e uma revolução em seu tempo; uma ideia compatível com o apelo inovador que pretendia ter o próprio aparelho. Já chegaria ao mercado de maneira triunfal, escandalosa, ousada. Nem precisava ser uma coisa nova de fato, pois apenas o seu nome, ou a ausência deste, já o tornaria original e atraente diante dos ávidos compradores.
E assim, nascia o primeiro e único produto sem nome criado pelo homem ao longo de toda sua história; um avassalador sucesso de vendas, e imagine só, estava apenas na Versão 1.0.
Os Contos Reflexivos são reproduzidos com exclusividade com a permissão do Site de Dicas.
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Alberto Grimm - Email: albertogrimm@gmail.com
Publicitário e Escritor. Especialista em Psicologia do Trabalho e Relações Humanas. É também também pesquisador e consultor em Recursos Humanos e em Educação Integral e Consciencial.
O autor não possui Website, Blog ou página pessoal em nenhuma Rede Social.
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