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Autor: Alberto Grimm[1]
Conteúdo Revisado e Ampliado: 16 de Janeiro de 2023
A ideia era simples: Se o problema era mundial, por que não juntar esforços para resolver coletivamente tal questão? Afinal de contas, não se tratava de um dilema de uma ou outra nação, cidadão, etnia, partido político ou doutrina sectária, mas de todos. E alguém questionou por que, ao invés de cada um ter um espaço apenas para o seu, um terreno que muitas vezes poderia ser utilizado para “Coisas mais Nobres”, não se usava uma área de inutilidade pública comum para centralizar tudo.
“E o que você entende por área de inutilidade pública comum?”, logo questionou um dos especialistas presentes à conferência.
“Que utilidade tem um imenso deserto, por natureza deserto, onde a única coisa visível é poeira, e cujo único papel aparente é servir de cenário para fotógrafos e produtores de filmes quando desejam ilustrar a suposta paisagem de um inóspito planeta fantasma?”
“As nações envolvidas no consórcio pagariam ao país dono do deserto uma espécie de taxa de permanência ou alocação da área, e todos sairiam ganhando. Primeiro as nações inquilinas, que se livrariam dos seus problemas, assim como a nação hospedeira, que finalmente poderia obter algum lucro com aquele espaço sem nenhuma utilidade...”, foi a conclusão do seu bem articulado e convincente argumento.
Era sem dúvida uma ideia criativa e tentadora, sustentada pela mais aguda lógica e perfeita demais para ser ignorada, por isso todos, deixando de lado as vaidades pessoais, especialmente aqueles que já saíram de casa sonhando em ter suas próprias soluções aprovadas e consagradas naquele evento, por falta de melhor alternativa no momento, concordaram com o projeto.
O problema era que, o acúmulo de lixo nas grandes cidades, mesmo depois das maciças campanhas de reciclagem e projetos de reutilização de todos os tipos de resíduos conhecidos, tornara-se uma calamidade. Afinal de contas, uma hiper-população produzindo toneladas de lixo todos os dias não era uma coisa tão simples de resolver.
E ainda havia o lixo do lixo, a sobra dos resíduos inservíveis, já reciclados à exaustão, razão pela qual, verdadeiras cidades foram criadas apenas para abrigar lixo. Ocorre que o lixo ocupava áreas maiores que as grandes metrópoles, um espaço precioso que poderia ser usado, por exemplo, para a construção de novas cidades, repletas de potenciais compradores de bugigangas.
No entanto, a principal causa pela qual o lixo tornara-se o principal problema do mundo moderno, era que ninguém ou nenhuma sociedade poderia viver sem fabricar “Produtos” ou “Bens de Consumo”, que depois de usados iriam se transformar em entulho. Visivelmente, aquele ciclo perpétuo de fabricar, vender e depois descartar bugigangas, era o único motivo coerente que justificava a existência humana sobre o planeta.
Imagine, pensavam todos, um mundo onde ninguém fabrica e ninguém compra, seja lá o que for? Seria o pior pesadelo dentro da atividade econômica e, por que não, na cadeia existencial do homem, afinal de contas, o homem que não compra, mesmo que não seja por necessidade e sim apenas por modismo, compulsão ou terapia antidepressiva, é um homem sem vida.
Desse modo, a ideia de centralizar todos os lixos do mundo em um só lugar foi tão bem recebida. O deserto era o local perfeito. Tratava-se de uma área enorme, suficiente para muito lixo, o que daria uma grande liberdade para fabricantes e compradores exercitarem ao máximo um dos seus impulsos existenciais favoritos, ou seja, produzir lixo à vontade.
Seria então criado um governo central para administrar a nova Nação, e cada grande cidade produtora de lixo se encarregaria de transportar para o novo destino todos os seus resíduos. Isso, sem dúvida, seria a solução para muitos problemas, e certamente, criaria uma nova economia globalizada inteiramente baseada no lixo.
Fábricas de reprocessamento, usinas de energia, produtos recicláveis de todos os tipos, e tantas outras, tudo derivado do lixo. Era sem dúvida um empreendimento com um potencial econômico avassalador, a perder de vista em rentabilidade e difícil de calcular mesmo pelos mais competentes e sonhadores calculistas ou especuladores financeiros.
Como a estrutura da organização foi concebida, isso é outra história, mas a coisa acabou finalmente sendo feita. E prosperou, e o deserto logo se tornaria um espaço dos mais cobiçados, dos mais caros e valorizados do mundo. Tanto que as grandes nações logo se encarregaram de patrocinar a degradação dos seus próprios ambientes, apenas com a intenção de também criar seus próprios desertos regionais e replicar o empreendimento.
E a grande “Nação lixão”, que recebeu o conveniente apelido de Província dos Empreendimentos Ambientais, logo se tornou próspera, populosa, com muitas indústrias. Tanto que o lixo, outra vez, em pouco tempo, se tornaria um grande problema. Mas, dessa vez, não porque era um incômodo, e sim porquê, com o aumento da demanda pela matéria prima “lixo”, o tal insumo se tornaria uma mercadoria valiosa demais, um ativo nobre, comercializado nas bolsas de valores e sujeito a grandes especulações.
No mundo, tudo agora era feito de lixo, até o próprio lixo. Assim criaram-se organizações para classificar o lixo de acordo com sua qualidade. E havia o lixo mais resistente à degradação, também conhecido como lixo modificado geneticamente, e assim por diante.
Então, surgiu um problema que ninguém, em seu juízo perfeito, jamais poderia supor que um dia ocorreria. Com a crescente demanda por cada vez mais lixo, começa a faltar lixo no mundo. E logo, preocupados com o problema, as grandes nações passam a promover campanhas maciças para que as pessoas produzam mais lixo. E como nem isso resolve o problema, as indústrias passam a fabricar, não mais objetos e produtos que um dia se tornarão lixo, mas o próprio lixo.
E das linhas de produção, o lixo agora é produzido em massa, com estilo e designs diferenciados. E novas campanhas incentivando empresas e pessoas a produzirem mais e mais degradação ambiental, ações que se reverterão depois na produção de mais lixo, são lançadas diariamente em todas as mídias.
E assim, poluir e sujar o meio ambiente torna-se uma qualidade desejável; um fator que dá Status e Pedigree diferenciados às nações, e prêmios por desempenhos pessoais acima da média. Isto é, anualmente, a Organização Mundial dos Ambientes Degradados passou a conferir uma espécie de prêmio para o cidadão que mais de destacasse na produção individual de lixo, de acordo várias categorias sempre levando em conta a qualidade do valioso insumo produzido. No encalço da nova e irreversível tendência, surgiram os cursos de nível superior com graduação e doutorado na produção de lixo, que logo se tornariam verdadeiros mimos e um desejado fator de notabilização do pedigree social de cada indivíduo.
E em meio a tanto lixo, comprar, não mais um produto que um dia pela obsolescência calculada se tornaria lixo, e sim o lixo manufaturado pelas grandes indústrias, se tornou uma necessidade humana; uma disciplina formal transformada em doutrina dentro de qualquer pedagogia; um estilo de vida e fator de status social conjugado como da mais elevada distinção e fidalguia.
E foi assim que, em pouco tempo, produzir lixo se tornaria um gesto nobre, algo capaz de conferir ao cidadão comum o cobiçado título de “Degradador Honorário da Humanidade”, um prêmio equivalente ao antigo Nobel da Paz; uma honraria capaz de notabilizar o cidadão nos livros de história; uma qualificação que logo se tornaria o novo objetivo de vida, a religião, a razão existencial desse, reciclado e agora amigo do lixo, homem.
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Alberto Grimm - Email: albertogrimm@gmail.com
Publicitário e Escritor. Especialista em Psicologia do Trabalho e Relações Humanas. É também também pesquisador e consultor em Recursos Humanos e em Educação Integral e Consciencial.
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