Autor: Jon Talber e Anne Marie Lucille[1]
Publicado: 02 de Agosto de 2024
Vide um dispositivo eletrônico com seu acabamento impecável, aquela aparência refinada, design ergonômico e elegante, cantos arredondados e suavizados. E por trás de tudo isso, está implícita a ideia, o sentimento da infalibilidade, sofisticação e perfeição que o apetrecho evoca quando o temos em mãos.
São os nossos critérios, gostos, preferências e demandas; nosso condicionamento, as regras e referências que temos para categorizar e qualificar o status dessa alegoria. Entretanto, trata-se apenas de um objeto tecnologicamente bem feito, bom acabamento, útil para cumprir sua função; aquele propósito para o qual foi projetado e depois construído, nada mais que isso.
Ainda não é perfeito, jamais o será, nem seria essa a intenção do fabricante, mesmo que isso fosse possível. Está sujeito a falhas, ao desgaste; o tempo será implacável com ele, tornando-o obsoleto, ultrapassado. Outros virão com a mesma proposta, e para nós, desde que cumpram o papel para o qual foram concebidos, sem dúvida, poderão ser considerados objetos perfeitos.
Os novos modelos serão construídos a partir daquela matriz básica; daquele projeto inicial, dos alicerces já criados. Ele não poderia se renovar nascendo do zero, mas apenas se fosse construído sobre si mesmo. Como seria possível o aperfeiçoamento de alguma coisa sem outra pré-existente?
Dentro da natureza, a despeito de sua imensa diversidade e dramática complexidade, onde as engrenagens ocultas das coisas funcionam gerenciadas por um intrigante e misterioso movimento sem um propósito explícito, qual seria o real objetivo de tudo que existe, se já houvesse perfeição?
O perfeito poderia ser criado? Bem feito não é perfeito; mas é perfeito esse movimento que regenera, recicla, descontinua, potencializa e amplifica todas as formas, de todas as coisas existentes.
E todas as coisas principiam porque ainda não são perfeitas. O início é a primeira evidência da imperfeição, ou não precisaria ser criado. Sendo perfeito, existiria para sempre, sem alterações, sem a necessidade de atualizações ou correções. Entretanto, a concepção do perfeito estático está equivocada, uma vez que a mesma demanda que cria uma necessidade já sinaliza que ali há uma carência reprimida, o que acaba por anular seu estado inicial de inércia.
Seria perfeito apenas para um momento, mas para outro, imperfeito. Não sendo mais necessário, qual seria sua função? Certamente que nenhuma, portanto, não teria motivo existencial.
A renovação, a reciclagem permanente é então a única motivação existencial. Tudo que é criado o é porque precisa ser renovado, reestruturado para ser útil sempre. Origem é o aparente ponto de partida, embora seja impossível delimitar o ponto de chegada. Nesse processo de imperfeição permanente, perfeito é o movimento de atualização e ajuste, sempre partindo de uma minoria para uma maioria; sempre de modo vertical, crescente.
Podemos aprender com o renascer diário. Podemos nos redescobrir com o viver de cada dia; com o nosso viver. Não renascemos a cada dia ao acordarmos? Engana-se aquele que se imagina renovado ao nascer. Não se renova ao nascer; renova-se ao modificar-se depois de nascido, e esta é a essência da natureza, com seus ciclos eternos de mudanças, mesmo que nem todas essas transformações sejam visíveis, mensuráveis ou compreensíveis.
Nosso pensamento é estreito e ainda não é capaz de enxergar além das memórias de uma vida. Nega assim o eterno dom do aprender sobre o aprendido. Supondo uma semente, que depois de aperfeiçoada seja capaz de gerar novas árvores, estas superiores à sua própria origem. A nova árvore terá sua essência, seu espírito aperfeiçoado, e seus herdeiros poderão evoluir partindo de uma evolução prévia.
Existimos simplesmente porque precisamos mudar, não fosse assim, estaríamos na contramão da própria natureza, onde seu movimento cíclico, à revelia de nossas crenças, opiniões, ideologias ou status social, muda tudo, sempre.
E se dela somos parte integrante, então, estamos sujeitos às suas leis. E se há uma instância conceptiva e também um movimento espontâneo que se encarrega de reciclar suas próprias criações, então, para tudo que existe haverá um motivo ou uma função. Função sugere uso, utilidade, e pode ser compreendida, ao contrário do movimento maior que a tudo controle, dirige, direciona. Algo sem função significa algo sem uso, invariável, morto ao ser concebido.
A ideia de uma perfeição sugere conclusão. Significaria o fim do próprio movimento de reciclagem, o que implicaria numa eterna continuidade estacionária, e até poderia ter uma função, mas, pelo fato de não mais se renovar, logo se tornaria incapaz, obsoleto. Um universo imutável, não mais sujeito ao processo de autorreciclagem, seria um universo morto. Deixaria de ter utilidade; não estaria mais em sincronia com aquilo que obedece às leis das mudanças sobre mudanças. Algo nascido não pode ser perfeito, uma vez que ao nascer já renunciou seu status de estática ou perfeição.
Nascer é sempre um processo de renovação. No entanto, aquilo que é renovado terá que deixar de lado o que não mais lhe serve. Mas, o descartado servirá para outros, sempre de acordo com suas necessidades e momento evolutivo. Lapida-se um diamante, não pela inclusão de mais camadas sobre sua superfície bruta, e sim pela suavização daquelas existentes. Aquilo que é jogado fora tem sua utilidade para outros. Mas, paradoxalmente, o descarte dessa escória é exatamente o que torna a jóia mais valiosa. No caso da jóia, ela aumenta de valor quando abre mão daquilo que não mais lhe serve.
Uma camada de tinta aplicada sobre outra, e outra, e mais outra, fortalece cada vez mais o revestimento daquela superfície. E assim são os acertos a partir de erros. Por outro lado, um acerto se transforma em outros tantos, nos permite identificar outras falhas, qualifica e amplifica nossa percepção e compreensão de todas as coisas. Trata-se de um processo que revigora nossa capacidade mental, potencializando nosso status decisório; facultando avaliar nossas escolhas com mais precisão e lucidez.
Sabendo como errar de menos serei capaz de acertar mais. Terei aprendido a lei básica da natureza, onde um conserto só é possível de ocorrer onde existe uma falha ou deficiência. E ao final de tudo isso, invariavelmente, mais conceituada será minha condição. Meu conhecimento terá extrapolado para além dos seus limites primários.
Reconhecendo o erro como erro, me torno mais ágil e judicioso em busca dos acertos. E o mais importante, terei compreendido o fato de que, algumas vezes, eu posso estar errado. Esse reconhecimento, de maneira irrefutável, é um acerto de notável repercussão.
Nota de Copyright ©
Proibida a reprodução para fins comerciais sem a autorização expressa do autor ou site.
[1]
Jon Talber - jontalber@gmail.com
É Pedagogo, Antropólogo e autor especializado em Educação Integral e Consciencial. É colaborador voluntário do nosso Site.
Anne Marie Lucille - annemarielucille@yahoo.com.br
Antropóloga e Pesquisadora na área da Psicopedagogia. Atua como consultora educacional especializada em Educação Integral e Consciencial.
Os autores não possuem Website, Blog ou página pessoal em nenhuma rede social.
Mais artigos dos autores em: https://www.sitededicas.com.br
Mundo Simples.
Email: contato@mundosimples.com.br