Autor: Jon Talber[1]
Publicado: 02 de Agosto de 2024
O cérebro humano é dotado de uma capacidade inata que é pensar. Ele pensa a despeito de nossa vontade. Nossos pensamentos não podem ser evitados, e o máximo que podemos conseguir, com treino e perseverança, é torná-lo um tanto mais seletivo, disciplinado e organizado.
Desse modo, podemos dar atenção a alguns fluxos pensênicos e desprezar outros. Pensar não é sinal de inteligência, trata-se de um atributo inato do cérebro, desde que exista lastro para isso. Lastro significa ter memórias, lembranças. E nesse campo, os conceitos éticos e morais, assim como as regras e normas de comportamento de uma sociedade, são meras informações, dentre milhares, que fazem parte daquele repositório ou banco de informações.
Fazendo uma analogia, podemos imaginar o motor de um veículo, que a despeito de sua capacidade de fábrica de gerar energia motriz para movimentá-lo, só será capaz de realizar tal procedimento se existir combustível disponível para ser consumido. Neste aspecto, o cérebro pode ser comparado ao bloco do motor onde tudo isso acontece. Já as memórias, podemos considerá-las como o combustível a ser queimado.
O movimento capaz de gerar energia a partir da queima do combustível seria o pensamento. Ou seja, sem as memórias, que é o combustível, o movimento de percorrê-las criando cadeias lógicas também conhecidas como pensamentos, jamais poderia ocorrer.
Domesticar um animal é simples. Para isso basta ensinar-lhe o processo de imitação ou a mímica de certos gestos, mas sempre em troca de compensações. Depois de treinado por um tempo, a simples lembrança da recompensa o fará lembrar-se do gabarito ou procedimento que deverá repetir para merecer seu quinhão ou agrado. O homem age da mesma forma, embora os agrados para que cumpra com suas obrigações sejam outros.
Ele pensa, logo é capaz de reagir aos estímulos conhecidos. Reagir significa reconhecer uma instrução ou parâmetros de uma tabela, receita ou fórmula e reproduzir; quer dizer, seguir os passos indicados que o conduzirão a uma determinada ação ou efeito.
Roteiro ou receita sempre resulta em alguma ação. Observe como nosso comportamento é metódico, isto é, como segue prescrições, regras pré-estabelecidas. Regras que orientam como devemos fazer ou decidir, interpretar, desejar, sentir, e assim por diante. Agimos segundo o modelo parametrizado que rege nossos atos e pensamentos, e aparentemente, não há outro modo.
Um computador também funciona dessa maneira. Diante de uma solicitação de serviço ele receberá como ponto de partida para sua ação algumas informações ou orientações básicas conhecidas como parâmetros e nos devolverá o procedimento ou resposta esperada.
Nos anos seguintes o método será aperfeiçoado, e logo, sempre segundo esse molde indutivo e cego, nos tornamos aptos a escolher de modo supostamente consciente aquilo que nos desagrada ou agrada. No mesmo pacote também nos informarão, embora nem sempre, sobre as eventuais consequências de cada ação consumada a partir de uma escolha. E por meio desse processo mecanicista ou conjunto de instruções, passamos pela vida reagindo de acordo com as regras; respondendo a cada demanda sempre em conformidade com as prescrições já pré-estabelecidas. É assim que será edificada nossa personalidade.
E dentro dela já estarão contidas nossas angústias e alegrias; nossos medos e opiniões. E tudo isso está armazenado em nosso cérebro como memórias, não importando se temos ou não consciência desse fato. Esse lastro nos qualifica a interagir com nosso mundo. Agora podemos comparar, medir, compreender e ser compreendido; tomar decisões básicas e complexas.
E há o temperamento, as nuances do nosso instintivo que nos faculta a ter preferências involuntárias ou rejeições com certas situações ou pessoas, o que dificulta ou favorece nossa relação com algumas questões. E embora nosso temperamento seja capaz de nos predispor naturalmente em direção a um caminho, a força da mesologia, com seus hábitos, crenças e todo processo de condicionamento ou lavagem cerebral, poderá deformar nossas inclinações.
E há as interpretações fundamentadas nos padrões sociais, na tradição cultural, costumes de uma civilização ou nação. Desse modo, com base nesse estilo instituído como norma de vida, onde estão incluídos os tabus, paradigmas, dogmas e tudo mais, podemos compreender nossas experiências. Assim, ser capaz de reproduzir aquilo que nos recomenda a “Cartilha do Viver", com seus gabaritos, tabelas, fórmulas e protocolos, é então considerado uma evidência cientificada de inteligência.
Segundo esse conceito universalmente aceito, ser capaz de imitar é o mesmo que ser inteligente. No entanto, o ato da mímica ou imitação não é uma qualidade adquirida, mas, ao invés disso, um atributo inato próprio de cada ser vivo. Faz parte de sua cadeia genética. Uma célula imita a outra, e assim é possível restaurar as danificadas. Imitar é um dom ingênito que não requer capacitação prévia. No entanto, para saber o porquê se imita, nesse caso, o processo de capacitação é necessário.
Se o agir por repetição não é capacitação e sim apenas um atributo natural, por que consideramos isso um ato de inteligência voluntária? Na verdade esse conceito não é nosso. Nossos ancestrais e os cientistas de outras eras fizeram essa deliberação, e mais uma vez, apenas repetimos a ideia, tradição ou juízo. E tem sido assim para tudo. Observe nossas crenças, medos, ideais de felicidade, objetivos existenciais e opiniões sobre qualquer coisa.
O que há de novo sobre a terra, inédito, que nunca foi experimentado, vivenciado ou construído por outros, em outros tempos, diante de outras demandas e circunstâncias? Não há nada novo, apenas novos veículos humanos repetindo antigos procedimentos sociais.
Se imitar é sinal de inteligência, o computador é o mais sábio dentre todos os sábios jamais existentes a qualquer tempo. E apesar de não ser “uma entidade” viva ou biológica dotada de um cérebro orgânico, ele é capaz de imitar com perfeição e sem cometer erros. Ainda é mais rápido e mais preciso do que qualquer indivíduo, e não precisa de uma vida inteira de experiências para se especializar e tornar-se capaz de decidir.
O fato é que não sabemos viver sem medo e desconhecemos na íntegra o que significa a paz. Elegemos a destruição do oponente como um ato de vitória por acreditar que o hábito de acumular conhecimento e riquezas é um sinal de sabedoria. Tratamos com indisfarçada indiferença os menos favorecidos e ao mesmo tempo ignoramos seu sofrimento. E diante dessas e outras contingências do viver nos consideramos como entidades biológicas dotadas de inteligência?
Sem potencial algum para criar algo original, e dotado de uma aptidão inata para imitar ou repetir sem refletir, mesmo aquilo que sabidamente não serve para nada, esse parece ser o verdadeiro papel do homem sobre a terra. Não seria então um sinal de inteligência perceber, com a mais altiva lucidez, que nenhum dos nossos atos pode ser tipificado como traço, ainda que remoto, de inteligência?
Diz um velho adágio: “O sábio olha para trás, mas não porque esqueceu algo, e sim para ter certeza de que não está mais no mesmo caminho...”
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Jon Talber - jontalber@gmail.com
É Pedagogo, Antropólogo e autor especializado em Educação Integral e Consciencial.
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