Autor: Jon Talber[1]
Publicado: 02 de Setembro de 2024
Imitar é uma coisa tão natural quanto o ato de respirar. É uma função do cérebro; um recurso imprescindível para a sobrevivência do ente que ora adentra naquele novo mundo. Sim, é isso mesmo, o mundo parece uma coisa Nova para a criança, uma vez que em sua mente, nenhuma experiência do viver existe.
Ela não sabe o que significa mãe, ou pai, ou irmão, ganância ou religião. Ou seja, não sabe o significado de nada que exista à sua volta. Não sabe o que é desafeto ou afeto; medo ou coragem; antipatia ou simpatia; raiva ou compreensão. Não sabe o que é sentimento, nem desejo. E como nada conhece da vida, sequer sabe o que é estar viva.
Mas, para quem já está no mundo e dele já é parte integrante e atuante, quer dizer nós os adultos, tudo isso já é coisa conhecida. Somos inquilinos mais antigos, e agora somos replicadores dos mesmos procedimentos que antes foram usados para nos informar como as coisas desse mundo supostamente funcionavam.
Para esta “nova” criança ou geração, o necessário agora é apenas se adaptar às regras comportamentais que já moldam a sociedade, da qual já somos velhos inquilinos. E tão logo esta criança seja condicionada ou domesticada segundo estes parâmetros, terá adquirido uma personalidade, o que significa ter uma identidade pessoal capaz de interagir socialmente com os demais.
E é deste mundo tão bem conhecido por todos nós, ou cartilha, que esse novo inquilino ainda criança irá copiar todos os elementos necessários para compor os modelos de comportamentos mais adequados para si mesmo. Ali já estão estabelecidas suas futuras preferências, opiniões, crenças, Frustrações, ideais, sentimentos, medos, vícios, e consequentemente, sua forma de pensar.
De sua parte não precisará ter trabalho algum. Sua mente ora vazia, logo será preenchida como se fora uma folha de papel em branco, que agora se reproduz numa copiadora, recebendo a imagem de um imenso gabarito com os procedimentos operacionais e protocolos transmitidos por uma matriz que podemos chamar de tradição.
O resto é adaptação, conformação, treinamento intensivo, para que se torne um hábil imitador; um mímico dos hábitos já adotados pelos outros. Não existirá, portanto, um gesto novo, mas apenas um novo “ente”, que ao seu temperamento inato, irá gradualmente agregar as antigas condutas, todas já aprovadas para uso pela mesologia onde nasceu; o local onde foi “educado” ou vive.
No entanto, não se trata de um Mundo Infantil, mas de um bizarro mundo adulto hipoteticamente idealizado para acolher às crianças. Não foi feito para as crianças ou mesmo para suprir suas necessidades, mas para que os adultos pudessem colocar suas crias dentro dele, com a intenção de condicioná-las ou domesticá-las conforme padrões e protocolos já estabelecidos.
Não é um mundo de novas descobertas, mas de velhos hábitos e grandes ilusões, especialmente projetado para os novos inquilinos. Um bioma que antagoniza com os fatos. Ali a criança sorri e recebe presentes e mimos todo o tempo, como se isso fosse prática comum no mundo real. Por isso mesmo, inevitavelmente, à medida que cresce, já mergulha num ambiente repleto de conflitos, uma vez que ficará frustrada, angustiada, ao se deparar com a rudeza própria de um mundo de verdade, cuja existência até então desconhecia.
E como tudo que era verdadeiro lhe foi ocultado, passará grande parte de sua vida, da juventude em diante, tentando superar os dramas pessoais, e outro tanto tentando se adaptar a essa “nova” realidade, absolutamente diferente daquela extraordinária utopia ou paraíso onírico que lhe foi apresentado desde a primeira infância.
Mas, o modo de como lidar com esses contrastes não faz parte da pedagogia da vida. Por isso, desde cedo, nossa mente se torna inflexível, fossilizada, velha, apesar do aspecto somático jovem.
É a fantasia que ganha consistência em nossas vidas sob mil disfarces. É o aspecto religioso com as promessas de um mundo melhor quando sequer tentamos compreender as razões da deformação do nosso. É o misticismo de um lugar mágico repleto de prazeres que nos aguarda em um local incerto, atemporal, o combustível necessário para que durante todo nosso viver a ilusão de um bioma de faz de contas acompanhe nossa sombra.
E o Mundo real versus mundo ideal será para sempre, na mente do jovem ou adulto, antes uma criança mergulhada num reino de ilusões, uma fantasia que jamais poderá ser alcançada; um sonho que nunca será erradicado por completo das suas aspirações mais profundas. Trata-se de um paradoxo concebido após a criação daquele universo paralelo repleto de maravilhas e harmonia, que ora entra em brutal conflito com a crua patológica realidade.
Zelo, cuidado e boa condução, são requisitos necessários dentro do mundo real, não em um de faz de contas. Precisamos ensinar ética e respeito justamente porque nosso mundo é carente destas coisas. E o melhor lugar para começar esse magistério é dentro de nossas casas, onde a criança está segura, sob nossos cuidados.
Quando mostramos para uma criança que existe um mundo virtual, de faz de contas, preparado especialmente para elas e onde os problemas humanos não existem, estamos também lhes ensinando a não enfrentar com altivez e coragem as dissidências e percalços da vida real. Isso talvez explique o grande sucesso dos fármacos entorpecentes, aqueles que são usados maciçamente como forma de mascarar a dura realidade dos fatos que ainda não temos competência para enfrentar.
Atribuir culpa ao mundo pelas suas distorções não é a solução. Entretanto, individualmente, é possível perceber de maneira inequívoca que, mesmo não sendo os autores das anomalias e deformações desse mundo, como agentes replicadores de costumes e tradições, sem dúvida, ainda somos agentes ativos no processo de reafirmação e consolidação desse Status Quo.
E quanto tempo mais isso irá durar vai depender da nossa vontade e pioneirismo; da nossa firme convicção de que algo precisa ser feito. Ou então, devemos simplesmente nos acomodar, escorados em nossas Crenças Infantis, como até agora o temos feito. E assim iremos permanecer à espera de um milagre; do toque de uma varinha de condão que virá dos céus para, com sua magia, tudo transformar; uma demanda antiga de nossas reivindicações, aspirações e sonhos, por mais estúpidos, incongruentes e absurdos que sejam.
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Jon Talber - jontalber@gmail.com
É Pedagogo, Antropólogo e autor especializado em Educação Integral e Consciencial. É colaborador voluntário do nosso Site.
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